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Caso João Paulo: 35 anos após crime, pai e tios relatam impactos na família: 'Mudou tudo'

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Por PATRICIA em 06/03/2024 às 05:33:23

No último episódio do podcast 'Medo do Escuro - O Caso João Paulo', familiares comentam falta de respostas, memórias das últimas horas do garoto e acompanhamento das apurações. Caso João Paulo: Tio comenta falta de respostas e reflexos de tragédia na família

João Paulo Brancalion, de 9 anos, dormia na manhã de 16 de dezembro de 1989 quando foi visto vivo pela última vez pelo seu pai, Toninho Brancalion. Naquele sábado, o garoto desapareceu após ir ao colégio onde estudava para brincar.

Essa é uma das recordações que Toninho Brancalion, pai do garoto, hoje com 69 anos, relata no último episódio do podcast Medo do Escuro - O Caso João Paulo, em uma entrevista exclusiva, 35 anos após o crime, cuja investigação e processo criminal terminaram com várias perguntas sem respostas.

Você pode ouvir Medo do Escuro - O Caso João Paulo no g1, no GloboPlay, no Spotify, no Apple Podcasts, na Deezer, na Amazon Music, ou na sua plataforma de áudio preferida. Assine ou siga Medo do Escuro - O Caso João Paulo, para ser avisado sempre que tiver novo episódio.

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O podcast revisita o caso do garoto de 9 anos encontrado morto dentro de um freezer em um colégio católico tradicional. Um dos crimes mais emblemáticos da história de Piracicaba.

Este texto contém revelações sobre o sexto episódio do podcast. A recomendação é ouvi-lo antes (acesse abaixo) e ler a reportagem depois.

João Paulo Brancalion tinha concluído a 3ª série na época do crime

AcervoEP

Luta contra câncer e sequela na voz

Toninho foi mecânico de veículos, mas já está aposentado. Um ano depois do crime contra o João Paulo, ele e a mulher se separaram. Depois disso, ele nunca mais se casou ou teve outros filhos.

Devido a um câncer de garganta que já tratou, Toninho hoje tem uma limitação na fala, e se comunica sussurrando. O tratamento contra a doença teve 35 sessões de radioterapia e cinco de quimioterapia.

Quando falou com o g1, ele já estava esperando a data para realizar os exames que iam dizer se ele já estava curado. Toninho contou que descobriu a doença há quatro anos e que não foi necessário realizar cirurgia. Nesse período, também foi diagnosticado com tuberculose, mas já está livre dela.

Irmãos Pedro, Sérgio e Toninho Brancalion

Rodrigo Pereira/ g1

Assim como o advogado da família, Toninho confirmou que a indenização determinada pela justiça continua sendo paga pra ele e pra mulher.

"Eles pagam uma parte mensal, mas pouquinho. Eu acho que é um terço de salário, pra dividir pra mim e minha ex-mulher".

Toninho Brancalion na época do crime

AcervoEP

Última vez que viu e falou com o filho

Na conversa, Toninho relembrou quando foi a última vez que ele viu e falou com o João Paulo, no sábado, antes do garoto desaparecer.

"Vi ele dormindo [cedo, antes de ir trabalhar]. E falei com ele, por telefone. Ele ligou pra eu abrir a casa da avó, da minha mãe. Não sei o que ele queria pegar lá", recorda.

Segundo os autos, João Paulo queria pegar sua bicicleta e Toninho até chegou a ir até a casa de sua mãe para entregar a bicicleta ao filho, mas ele não estava mais lá. Veja abaixo trecho de depoimento à Polícia Civil no qual o pai relata isso:

Trecho do primeiro depoimento de Toninho Brancalion à polícia sobre desaparecimento e morte do filho

Reprodução/ Polícia Civil

Uma das teses durante as investigações é de que o garoto tenha morrido afogado. Hipótese levantada, inclusive, pelo perito Fortunato Antonio Badan Palhares, que fez o segundo exame para identificar a causa da morte da vítima.

Toninho, no entanto, afirmou que o filho não era habituado a entrar em piscinas e que acha que ele tinha medo.

"Eu não sei se ele não sabia [nadar], mas ele não ia [nas piscinas]", afirma.

Roupas e sapatos de João Paulo foram encontrados ao lado do corpo

Reprodução/ EPTV

'Fiquei sentido porque eu coloquei ele lá'

Pedro Brancalion, um dos tios da vítima, revelou que foi ele quem intermediou uma bolsa de estudos para o garoto no colégio onde foi encontrado morto.

"Eu fiquei sentido porque eu que coloquei ele lá na escola, ele não pagava nada [...] por causa da gente. Então, ficou meio complicado".

Pedro, que hoje tem 81 anos, era supervisor no Colégio Dom Bosco e trabalhou lá por 40 anos. Ele contou que a casa onde ele mora há 27 anos foi comprada com dinheiro emprestado pelo colégio na época.

"Aí aconteceu aquilo lá. A gente não pode falar que foi esse ou aquele. A gente não tava lá, como que eu vou condenar a pessoa?", questiona.

Depois do crime, ele ficou mais um ano trabalhando no colégio e foi dispensado, mas diz que não se importou porque já estava aposentado.

Sérgio Brancalion, tio de João Paulo

Rodrigo Pereira/ g1

'Foi lá pro colégio e não voltou mais'

Outro irmão de Toninho e Pedro é Sérgio Brancalion, conhecido como Téio, que segundo os três confirmaram, acompanhou mais de perto as investigações do caso.

Téio, que tem 79 anos, também foi mecânico e trabalhou junto com o Toninho. Hoje, ele também é aposentado e vive em uma chácara em Piracicaba, com a sua esposa.

Uma de suas memórias sobre os últimos momentos em que o garoto foi visto vivo pela família é de uma conversa que ele teve com sua avó Emília antes de sair de casa.

"Eu lembro que ele tava na casa da minha mãe, ele não saía de lá. Ficou lá até a hora do almoço e depois ele foi para o colégio Dom Bosco para ficar a tarde lá, que ele brincava e tudo. [...] Ela comprou guaraná pra ele, ele tomou um pouco e falou: 'vó, de tarde eu venho beber o resto'. Aí ele foi lá pro colégio e não voltou mais".

Bar onde ficava freezer onde corpo fica localizado

Reprodução/ EPTV

Reunião com delegado na escola

Téio também questionou algumas coisas que achou estranhas em relação ao caso e que também foram citadas pela acusação nos autos do processo.

"Aí o [ex-voluntário] achou o corpo dele dentro do freezer com a roupinha tudo dobrada. Tudo dobradinha, o sapato em cima, como? Morreu ali dentro do freezer, um freezer desativado? Como que ele foi lá, ver o quê? Uma explicação que faz muitos anos que a gente quer saber", afirma.

Sobre os acompanhamentos que fez do caso, Téio lembrou de um dia em que foi até o Colégio Dom Bosco com o delegado seccional, Sérgio Bastos, para participar de uma reunião na qual o Bastos ia responder dúvidas sobre o andamento das investigações.

"Fui com o doutor Bastos, teve uma reunião, parou a aula no colégio inteiro, veio todas as crianças ali, professor, e faziam as perguntas, e falar o quê? A gente não tinha o poderio de responder aquilo. O doutor Bastos perguntava, falava sobre isso e aquilo, mas a gente não tinha o poder, não".

Sérgio Bastos folheia inquérito policial na época das investigações

Reprodução/ EPTV

'Isso não apaga mais'

O tio também se lembrou de uma conversa que teve com um médico no necrotério, logo após a morte do seu sobrinho.

"Ele falou pra mim: 'isso aqui vai dar pano pra manga'. 'Tudo bem'. O que eu ia fazer. O menino já tava morto [...] A gente não podia fazer nada. Tinha que esperar da Justiça e a Justiça foi bem lenta, muito lenta, muito demorada", lamenta.

Téio comentou como essa tragédia abalou todos a partir daquele dia 17 de dezembro de 89.

"Mudou tudo, principalmente da minha mãe [avó de João Paulo]. Ficava lá o dia inteiro conversando com ela. Ele era muito esperto, um menino ativo. [...] A família, nossa… até hoje nós temos o dia gravado. Isso não apaga mais, né".

Emilia Brancalion, avó de João Paulo e mãe de Téio, Toninho e Pedro, morreu há dez anos, aos 92 anos de idade.

Téio também contou uma coisa que Toninho passou a fazer pra evitar lembrar do caso. "Acabou pra ele o mundo né. Nunca mais ele passou nem na frente do colégio. Falou: 'não, aqui não passo mais".

Família sofreu profundos reflexos após morte de João Paulo, segundo tio

Rodrigo Pereira/ g1

União entre irmãos

Mas eles precisaram seguir com a vida, apesar da perda e da dor permanente. E uma coisa que fica clara é a visível preocupação que cada irmão tem com o outro. Pedro e Toninho dividem a rotina morando juntos. E Téio ajuda eles com os tratamentos de saúde.

Entre a primeira e a segunda vez que receberam a reportagem, por exemplo, ele levou Pedro para fazer biópsia de um local da pele onde apareceu uma mancha.

E também foi ele quem levou o Toninho para os tratamentos de saúde que precisou recentemente.

"Graças a Deus, eu peço para Jesus, Nossa Senhora, que me dê força para cuidar. Enquanto puder cuidar dos outros, não preciso eu ser cuidado. Mas a vida é cheia de coisas, né?".

O g1 também tentou contato com a Zilda Brancalion, mãe de João Paulo, em um endereço, redes sociais, através de familiares, amigo e o advogado que a representou no caso, mas ela nunca retornou aos pedidos de entrevista.

Médico Badan Palhares durante realização de perícia no freezer onde a vítima foi encontrada

Reprodução/ Poder Judiciário

Morte de ex-voluntário absolvido

O ex-voluntário do colégio que foi acusado pelo crime e depois absolvido em júri popular atuava em uma área comercial que não tem relação com educação e tinha uma empresa em uma cidade a 300 quilômetros de Piracicaba. Durante a sua absolvição no processo, seu advogado disse que ele "pagou o preço terrível da destruição moral de um ser humano" por conta da repercussão das investigações.

O ex-voluntário morreu no dia 15 de fevereiro de 2022, em Piracicaba. Ele tinha 67 anos quando faleceu e deixou uma mulher e um filho. E tanto por conta da sua absolvição por falta de provas quanto por seu falecimento, foi identificado por um nome fictício nesta série.

O g1 tentou contato com sua esposa, filho, sobrinho e um irmão em endereços, telefones e redes sociais, mas não houve retorno.

Roupas e sapato de João Paulo dentro de freezer onde corpo foi encontrado

Reprodução/ Polícia Civil

As diferentes formas de lidar com a tragédia

As pessoas que tiveram alguma relação com o caso, a vítima ou a família lidaram com maneiras diferentes com a tragédia com João Paulo.

Um dos melhores amigos do garoto e com quem João brincou poucas horas antes de desaparecer no dia 16 de dezembro de 1989, recusou a entrevista ao g1 depois de pensar por alguns dias. Ele justificou que como nada vai trazer seu amigo de volta e por acreditar que ninguém mais vai ser preso, ele quer deixar João Paulo descansar em paz.

Já o escritor Ademir Barbosa Júnior, conhecido como Dermes, que era aluno do Colégio Dom Bosco na época da morte de João Paulo, decidiu não apenas falar sobre o caso, como publicar um livro de ficção inspirado nele.

"Pra mim foi uma história assim muito chocante, muito triste, como outras que eu ouvi na cidade ao longo da infância, da adolescência [...] porque eu estava lá, nós estávamos lá. Não acompanhamos o crime, evidentemente, mas acompanhamos o processo todo. Então, chocou tanto que eu guardei essa história no coração e depois de 30 anos escrevi sobre ela", conta Dermes.

Depois de se formar no Dom Bosco, ele se tornou mestre em literatura brasileira pela USP e hoje soma 78 publicações, entre livros, prefácios, traduções e colaborações.

Ademir Barbosa Júnior, o Dermes, autor do livro 'Quem Matou João Paulo'

Acervo pessoal

Um desfecho ficcional

Dermes também decidiu dar um desfecho ficcional para o caso, como revela o título do livro: "Quem Matou João Paulo". Uma afirmação, e não uma pergunta.

"A escrita do livro foi um exercício de dar voz ao João Paulo, à história, à família, na ficção, porque há outras personagens, outras situações, outras abordagens de violações de direitos de crianças e adolescentes [...] Eu espero que a homenagem seja feita. Uma homenagem, um respeito, um carinho muito grande ao João Paulo real e à sua família também de maneira especial".

Apesar de utilizar elementos ficcionais em sua obra, Dermes revela um desejo com a obra que está diretamente ligado à realidade.

"Me perguntaram já o que eu esperava do livro. E aí, quando me perguntaram, eu respondi na hora, veio assim a resposta espontaneamente que eu gostaria que fosse reaberto o caso, que o livro servisse, até uma pretensão, para se repensar a linha investigatória, para se reverem as provas, para que de repente alguém que tem uma informação mais específica se apresente e justiça seja feita tantos anos depois".

Capa do livro 'Quem Matou João Paulo', de Dermes

Acervo pessoal

Lembranças da comunidade

Apesar da pretensão de Dermes, o caso João Paulo está arquivado. Isso não o impede, no entanto, de permanecer na memória coletiva da população.

A reportagem foi até a Praça José Bonifácio, a praça central de Piracicaba, para perguntar a quem estava por lá se sabiam do caso, o que se lembram, se ficaram sabendo como terminou. E a maioria se lembrava. Alguns, até de nomes.

"Ah, o João Paulo, né?", perguntou uma moradora que se lembrava do caso.

"Na época, foi uma repercussão muito grande. Me lembro que saiu a reportagem que o menino foi encontrado morto no freezer desativado e até hoje não se sabe ao certo, pelo menos eu não fiquei sabendo, o autor do ocorrido. O suspeito foi [diz o nome do ex-voluntário]. E ficou no ar. Nunca ninguém foi preso por isso", comenta outro morador.

Mesmo quem não morava na cidade na época disse que ficou sabendo.

"Antigamente acontecia um caso desse e repercutia no mundo inteiro. Na época era difícil acontecer uma coisa dessa. Se não me engano, foi minha irmã que me ligou falando da notícia aqui de Piracicaba. Porque ela sempre morou aqui", conta mais uma moradora.

Assis Mello, amigo de João Paulo

Rodrigo Pereira/ g1

'Tá vivo na memória'

Quem compartilha a dor com a família também revela que essas memórias estão vivas até hoje, como Assis Fernando de Mello, que era um dos melhores amigos de João Paulo.

"Tá vivo na memória, tá vivo na memória de todos. Foi algo assim que as pessoas se sentiam tristes e também com alguma sede de algo que se solucionasse. O que não teve", lamenta.

Assis mora até hoje no bairro onde conheceu João Paulo e onde brincavam. Ele trabalha com serviço de vidraçaria e de transportes fretados.

Já Silvestre, que prestou apoio jurídico à família de João Paulo desde o início e estudou com o pai da vítima, atua até hoje como advogado em Piracicaba. Ele tem escritório no bairro dos Alemães, a um quilômetro do Colégio Dom Bosco, e não consegue esconder a relação afetiva com o caso, que se mistura com sua própria história.

"Os autos não morreram. Eram físicos, mas estão lá os autos, e eu tenho os autos todinhos aqui. Todinhos. E o que me causa, sim, uma grande tristeza. [...] era apaixonado pelo Colégio Salesiano de Dom Bosco porque lá estudei, lá o pai de João Paulo também estudou, [...] as bodas de prata de meus pais foram realizadas lá no Colégio de Salesiano Dom Bosco", relembra.

"Mas hoje, todas as vezes, todos os dias que eu passo pela lombada da Rua Alfredo Guedes me vem à lembrança o caso João Paulo Brancalion".

Sapatos e roupas de João Paulo foram encontrados arrumados ao lado do corpo

Reprodução/ Poder Judiciário

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Fonte: G1

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