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Tilápia x Saint Peter, reprodução 'masculinizante', vacina: saiba como é a produção de um dos peixes mais consumidos no Brasil

Por PATRICIA em 05/04/2023 às 07:09:15

O g1 conheceu uma das maiores indústrias de pescados do país, localizada em Rifaina, no interior de São Paulo. Queridinho na mesa dos consumidores também projeta o Brasil entre os maiores produtores mundiais da espécie. VÍDEO: entenda as etapas da produção de tilápias no interior de São Paulo

No ceviche, à parmegiana, grelhado ou empanado e frito. Por ser facilmente adaptável a diferentes pratos e temperos, a tilápia é uma aposta gastronômica quase certeira e ganha ainda mais adeptos na quaresma, período que antecede a Páscoa cristã, marcado pela abstenção no consumo de carne vermelha.

Não por coincidência, o pescado, que não é nativo do Brasil e também é vendido como Saint Peter nas gôndolas dos supermercados, é o peixe de cultivo mais produzido no país.

Filés de tilápia produzidos pela Fider, em Rifaina, SP

Rodolfo Tiengo/g1

Segundo a Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe Br), foram 550 mil toneladas levadas ao mercado interno e externo em 2022, o que projeta a nação entre os quatro maiores produtores do mundo, somente atrás de China, Indonésia e Egito, com um crescimento de 3% em relação a 2021.

Segundo maior produtor do país, perdendo apenas para o Paraná, o estado de São Paulo responde por 14% desse total.

O g1 ouviu especialistas e visitou um dos maiores frigoríficos do país localizado em Rifaina (SP) para entender como é o processo (veja vídeo acima) desde a criação ao embalo.

Ceviche com filés de tilápia

Rodolfo Tiengo/g1

Saiba um pouco mais sobre a produção da tilápia nos tópicos abaixos:

De onde vem a tilápia? Como foi introduzida no Brasil?

Tilápia e Saint Peter são a mesma coisa?

Quais são as principais etapas da produção da tilápia?

Como é a reprodução 'masculinizante'?

Off flavor e tratamento da água

Peixes também são vacinados

Engorda: qual é o tempo ideal de criação?

O processo industrial: transporte, abate e filetagem

O que acontece com as vísceras do peixe?

Tilápia produzida em Rifaina, na região de Franca (SP)

Rodolfo Tiengo/G1

1.De onde vem a tilápia? Como ela foi introduzida no Brasil?

A tilápia é uma denominação genérica, inclusive usada no mundo todo, para um peixe originalmente de águas salgadas que há milhões de anos se introduziu em água doce.

Possui diferentes espécies e é amplamente produzida em diferentes países do mundo, com 6,5 milhões de toneladas em 2022, graças a características como facilidade de crescimento em ambientes confinados, sobretudo da variedade Oreochromis niloticus, a tilápia nilótica, como referência ao Rio Nilo, no continente africano.

"O centro de origem dela é mais ou menos ali no delta do Rio Nilo, onde havia essa possibilidade de o peixe adentrar a água doce", explica Lícia Lundstedt, chefe-adjunta de Pesquisa e Desenvolvimento aqui da Embrapa Pesca e Aquicultura.

A tilápia não é uma espécie nativa do Brasil e foi introduzida, sobretudo em sua variedade nilótica, a partir dos anos 1970, com povoamento em represas de usinas hidreléticas e posteriormente grande evolução comercial nos anos 1990, com o impulsionamento dos pesque-pague.

A produção predominante hoje, de um peixe com menos espinhos, mais filé e menor tempo de criação, remete à linhagem Gift [Genetically Improved Farm Tilapia], que consiste em uma série de melhoramentos genéticos a partir de exemplares da tilápia nilótica.

"A tilápia também era espalhada pela África, então ela foi coletada de diferentes locais, levada para as Filipinas, onde houve o melhoramento genético. Desde os anos 2000 houve uma importação de tilápia da linhagem Gift."

Tilápia vermelha criada em Rifaina, interior de São Paulo

Rodolfo Tiengo/G1

2.Tilápia e Saint Peter são a mesma coisa?

Sim. Apesar de muitas vezes essa nomenclatura ser relacionada à cor do peixe comercializado ou então aos métodos mais ou menos apurados de cultivo, não há diferença entre o que se vende como tilápia e Saint Peter, pois tratam-se da mesma espécie.

A denominação Saint Peter, segundo especialistas em piscicultura, remete a São Pedro, o apóstolo Pedro, como uma referência ao pescado que teria sido consumido nos tempos bíblicos e associado, por exemplo, ao Milagre da Multiplicação dos Peixes.

Segundo Lícia, essa nomenclatura é um apelo de marketing e passou a ser comercialmente utilizada principalmente por iniciativa de países como Israel - com grande tradição no segmento - e se difundiu também no Brasil, onde é comumente associada à tilápia vermelha, que nada mais é que a variedade nilótica, mas sem a coloração acinzentada na escama.

Por dentro, no entanto, tem os mesmos valores nutricionais e o mesmo sabor, além de não ter nenhuma diferença visual na venda em filés.

"É a mesma coisa, ela só não tem o pigmento [cinza] na pele. (...) Algumas pessoas falam, eu mesma já ouvi isso: 'nossa, que peixe feio, é cinza'. Mas isso é só a coloração da pele dela. Internamente o filé que a gente come é exatamente a mesma coisa", explica a especialista.

Segundo Juliano Kubitza, médico veterinário e gerente geral da Fider Pescados, em Rifaina, essa nomenclatura também acaba sendo utilizada comercialmente para tentar agregar valor a tilápias acinzentadas consideradas melhores por conta de sua procedência.

"Muita gente até acha que Saint Peter é um peixe específico, uma espécie de peixe, e não é", diz o representante da empresa no interior de São Paulo, que produz 9,6 mil toneladas do pescado por ano.

Produção em escala industrial da tilápia passa por diferentes processos, do cultivo à filetagem

Rodolfo Tiengo/g1

3.Quais são as principais etapas da produção da tilápia?

A tilápia é muito comum em propriedades rurais e é amplamente manejada por quem está habituado. Mas, em escala industrial, a produção desse pescado segue uma série de protocolos técnicos e de higiene - que incluem barreiras sanitárias e cuidados com climatização - para garantir a qualidade e a segurança alimentar, além de sustentabilidade e bem-estar animal.

Em um ambiente industrial, a tilápia passa basicamente pelas seguintes etapas:

Melhoramento genético: feito por meio da seleção dos melhores exemplares da espécie;

Reprodução: estímulo ao desenvolvimento de machos;

Vacinação: fase importante para evitar a estreptococose;

Engorda: período de aproximadamente 150 dias em que peixes podem atingir até 1,5 kg;

Pesca e transporte: tanques-redes e caminhões mantêm o peixe em ambiente aquático até o frigorífico;

Abate e filetagem: refrigeração, esterilização e treinamento visam o bem-estar animal e a segurança alimentar;

Embalo, conservação e transporte: o produto fresco pode chegar em até 36 horas ao cliente

Tanque escavado, onde são criados os alevinos de tilápias em Rifaina, SP

Rodolfo Tiengo/g1

4.Como é a reprodução 'masculinizante'?

Os alevinos, assim chamados os filhotes das tilápias, são criados em tanques escavados próprios, onde são alimentados com ração por cerca de 30 dias até atingirem entre 40 e 50 gramas. É por meio de uma alimentação específica que eles passam por um tratamento que garante que eles se desenvolvam como machos.

Isso é adotado porque o indivíduo tem um maior rendimento que a fêmea e chega a pesar 1,5 kg.

"A fêmea, com 400 gramas, começa a produzir ovos para poder reproduzir e ela para de crescer porque põe o ovo na boca e não come, então a gente produz populações 100% macho e coloca para engordar", explica Kubitza.

Quando nascem, as tilápias ainda não têm uma definição sexual imediata porque as gônadas ainda não se tornaram nem ovários nem testículos. Segundo o médico veterinário, para se estimular a reprodução dos machos a partir de então, a larva, em um estágio em que ainda pesa em torno de 0,1 grama, recebe alimentação complementada com 17-alfa-metiltestosterona.

A técnica é amplamente usada em outros países, é aprovada por protocolos internacionais há décadas e sem riscos ao consumo humano, segundo os especialistas entrevistados.

"A gente coloca na ração uma dosagem desse hormônio por 21 dias. Isso faz com que o organismo entenda que é o gene de macho que tem. Ele diferencia no macho e fica tudo macho. Não tem nada a ver com hormônio para fazer crescer mais", explica Kubitza.

Segundo o gerente da Fider, mesmo com os cuidados adotados, é esperada, na etapa da reprodução, uma mortandade média de 30% dos alevinos, em função dos próprios hábitos alimentares dos peixes, que se alimentam de ovos.

"Principalmente nas fases iniciais. Eles são muito sensíveis. O alevino, se você põe 100 mil no tanque e tirar 90 mil é bom, porque, como é muito pequeno, ele afunda e o peixe come tilápia", explica o gerente.

5. Off flavor e tratamento da água

Desde o princípio, a qualidade da água em que ocorre a reprodução é determinante para o sabor que o peixe terá no futuro, já que ele filtra a água do meio em que vive. O trato do recurso hídrico determina a ausência do que os especialistas chamam de off flavor, o gosto de barro associado a alguns tipos de pescado.

"Não tem a ver com o peixe, é um problema de manejo. São duas moléculas metabólicas secundárias de algas, e quando você tem excesso de matéria orgânica no ambiente, ração, barro, você começa a ter muita matéria orgânica e aumenta a produção de alga. Esse aumento faz essas algas liberarem essas substâncias. O peixe filtra a água e aí vem esse gosto. Ele não faz mal à saúde, é só uma característica indesejada", explica Lícia.

Para evitar que isso aconteça, em Rifaina, além de máquinas de oxigenação nos tanques, a água é reposta com frequência e extraída diretamente do Rio Grande, monitorado constantemente pela indústria, que tem uma concessão federal para explorar os recursos no local.

"A gente tem uma outorga que a gente capta água do rio, joga no tanque lá em cima e aí ela vai descendo por gravidade, mas a água é muito boa já, e esses tanques não precisam de muita água. A gente enche e fica repondo e recirculando essa água", explica Kubitza.

Depois de primeira fase de crescimento, tilápias são vacinadas em Rifaina, SP

Rodolfo Tiengo/g1

Segundo os especialistas, o ambiente aquático ideal para a criação de tilápias também pede temperaturas acima dos 23ºC.

"Tilápia é uma espécie predominantemente tropical, de águas mais quentes. Onde a temperatura do ambiente vai de acordo com as características da tilápia, ela é produzida nas mais diversas formas possíveis, em viveiros, tanques-redes, tanques suspensos. Em países mais frios, ela ainda pode ser cultivada dentro de laboratórios e em condições ou sistemas de produção controlados", afirma a representante da Embrapa.

6. Peixes também são vacinados

Depois de um estágio inicial de desenvolvimento, mas antes da fase da engorda, os peixes são retirados dos tanques e transferidos para um processo de vacinação, com o intuito de prevenir doenças como a causada pela bactéria do gênero Streptococcus, a estreptococose.

"É uma doença que ataca muito em água mais quente. Aí eles começam a ter problemas neurológicos, natação errática, o olho saltado e morrem. Quando a gente vacina, cai muito a incidência", explica Kubitza.

Na Fider, primeiro os peixes são colocados em uma solução com óleo de cravo, que acalma o peixe antes de ele passar por um equipamento que aplica os imunizantes em uma esteira, um a um.

"Depois do descanso ele vem pra vacinação. Tem que ter um reconhecimento de peixe por peixe, a máquina separa o peixe já por tamanho pela foto que ela bate de cada um", afirma a supervisora de produção Mabilis Yumi Kanazawa.

Produção de tilápias em Rifaina, SP

Rodolfo Tiengo/g1

7. Recria e engorda: qual é o tempo ideal de criação?

Depois de vacinados e classificados, os peixes, já em um estágio juvenil, voltam para outros tanques, onde passam por um processo de recria que dura em torno de 30 dias. Quando atingem em torno de 100 gramas, eles são transportados por tubulações especiais para dentro da represa, em tanques circulares, onde permanecem até completarem o ciclo de crescimento desejado, que dura mais 150 dias.

Na empresa do interior de São Paulo, essa alimentação é controlada por um sistema computadorizado, que monitora a quantidade de ração de acordo com o tamanho do peixe, até que ele atinja 1kg. Segundo o gerente da Fider, para chegar ao peso ideal, a tilápia precisa comer, ao longo de toda sua vida, em torno de 1,6 kg de ração.

"Nós temos um software que tem controlado quantos peixes têm em cada tanque, que tamanho que ele está e quanto tem que receber de ração, porque são mais de 300 tanques e são três balsas de alimentação que operam dentro d'água", afirma Kubitza.

Cada um dos tanques chega a receber 120 mil exemplares da espécie. "Sai ali de cem quilos [de ração] por dia e vai até dois mil. E quando ele sai já tem outro vindo atrás e isso fica acontecendo o tempo todo."

Nessa etapa, ainda existe uma mortandade esperada, estimada em 5%, de peixes adultos. "É um peixe que boia. Então a gente coleta, tem uma caçamba específica para isso e uma empresa contratada que faz a destinação ecológica."

Caminhões transportam as tilápias frescas e vivas em ambiente climatizado para o frigorífico em Rifaina, SP

Rodolfo Tiengo/g1

8. O processo industrial: transporte, abate e filetagem

Depois da pesca, feita por bombeamento de grandes tanques-redes, a forma como a tilápia será transportada e manuseada pode fazer toda a diferença no resultado final.

Na indústria visitada pelo g1, os peixes são mantidos frescos, desde que deixam o rio, com diferentes métodos de climatização, não só por questões sanitárias como também visando o bem-estar animal.

O cuidado começa na forma como os peixes são colocados nos caminhões, o que acontece por tubulações que carregam o animal, mas criam um ambiente com água e oxigenação favorável à sobrevivência até a chegada ao frigorífico. "É um tubo em que vai peixe e água, ele não vai seco. (...) Ele vai nadando ali."

Assim que chegam ao frigorífico, os peixes são colocados em água gelada, que os prepara para o abate.

"O peixe não controla a temperatura corpórea, diferente da gente. (...) Ele cai, entra em dormência, é como se fosse uma anestesia para ele", explica Kubitza.

Frigorífico da Fider Pescados, em Rifaina, SP

Rodolfo Tiengo/g1

Terminado o abate, os peixes são limpos em uma máquina específica para extração de sangue e são destinados para a água gelada, onde permanecem antes de serem levados para outro equipamento que retira as escamas por rotações.

Retiradas as escamas, os peixes são colocados em caixas com gelo e levados para a filetagem, setor onde os filés serão manualmente cortados por profissionais treinados, protegidos com luvas de aço, e com instrumentos afiados e esterilizados.

Um filetador experiente, que já dominou a técnica, segundo o gerente da Fider, é capaz de retirar os dois filés com dez cortes precisos. Cada quilo de pescado rende, em média, 30% de carne de peixe.

"É a fase mais trabalhosa. (...) A gente tem que treinar muito bem o operador, porque, se ele não for bom, ele faz pouco e com baixo rendimento, que é o quanto você tira de filé por quilo de peixe."

Em seguida, as tilápias terão a pele retirada antes de serem levadas para a refrigeração, que reduz sua temperatura para em torno de -1ºC, para uma etapa de classificação automática por tamanho, para o embalo em caixas e, enfim, para câmaras frias com entrada controlada.

Com 15% de sua produção destinada ao exterior, principalmente para os EUA, o frigorífico em Rifaina realiza um processo logístico climatizado, por via terrestre e aéreo, que garante a chegada dos peixes frescos em até 36 horas até a mesa do consumidor final. Parte da produção também é congelada, o que permite um maior tempo de conservação do produto.

"Até as dez horas [da manhã] a gente fecha a grade para o que vai sair à tarde. Sai uma ordem de expedição, tem uma empresa que faz a logística, os caminhões começam a chegar duas, três horas da tarde, já começam a sair todos os pedidos para formar os pallets, porque vai tudo com nome do cliente. Na madrugada do dia seguinte, se começa a realizar a entrega."

Farinha usada em nutrição animal produzida a partir de vísceras da tilápia em Rifaina, SP

Rodolfo Tiengo/g1

9.O que acontece com as vísceras do peixe?

No interior de São Paulo, em vez de serem descartadas, as vísceras do peixe após o abate, que correspondem a cerca de 60% do corpo do peixe, são destinadas para a produção de insumos usados em nutrição animal.

Na empresa em Rifaina, essa destinação é feita por tubulações vedadas do frigorífico para uma outra fábrica onde se produz farinha e óleo de peixe.

"Tem um equipamento lá em cima que a gente chama de blow tank. Ele envia através de sopro essas carcaças por um tubo para outra fábrica. Você não vê que isso está acontecendo, é imperceptível pra quem não sabe", explica o gerente da Fider.

Hoje, os subprodutos são destinados principalmente para o continente asiático. Cada tonelada de carcaça rende em torno de 400 quilos de farinha e óleo.

"Essa fábrica é um investimento mais recente, foi feito aqui, e ela opera no modelo 4.0, automático. A moça está operando, sozinha. Só tem um operário embalando e se tiver algum evento na fábrica que precisa de alguma intercessão."

Produção automatizada de farinha e óleo na Fider Pescados, em Rifaina, SP

Rodolfo Tiengo/g1

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Fonte: G1

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