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Ataque em Aracruz: 'Lembro do barulho do silêncio', diz professora que foi baleada e sobreviveu

Por PATRICIA em 24/12/2022 às 04:00:15

Educadora conta como tem sido os dias após o atentado, relembra o momento em que ela e outras vítimas foram surpreendidas pelo assassino e deixa mensagem de tolerância. Professora da Escola Primo Bitti, no ES, Aristênia Torres Mancini Martins, 51 anos, sobreviveu ao ataque em Aracruz

Reprodução

A professora de Língua Portuguesa da Escola Estadual Primo Bitti Aristênia Torres Mancini segue se recuperando do ataque a escolas que ocorreu em Aracruz, região Norte do Espírito Santo, no dia 25 de novembro. O atentado deixou quatro pessoas mortas e mais de 10 feridas.

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A professora contou ainda que pediu que o atirador parasse com o disparos. No episódio, a professora foi baleada várias vezes pelo assassino.

"Teve um momento que eu falei 'para, pelo amor de Deus'. Depois disso tudo, lembro do barulho do silêncio, por mais que pareça um contraste impossível de existir. Tudo isso foi muito rápido, a correria dos outros professores, dos outros funcionários", lembrou.

Internada há quase um mês no Hospital Estadual Dr. Jayme Santos Neves, localizado na Serra, na Grande Vitória, a educadora conversou com o g1 sobre as lembranças do dia do ataque, a recuperação no hospital, a saudade do cachorro de estimação e as expectativas para o futuro.

Segundo a professora, no dia do atentado todos estavam no momento do recreio, em clima de descontração.

"No momento em si, a gente estava sentado, todo mundo tranquilo, merendando. Não lembro o que a gente estava falando. Eu não vi quando o rapaz entrou. De repente o barulho do tiro, e todo mundo caindo, a visão ficando preto e vermelho, sangue, gritaria", recordou.

"Lembro do impacto, do choro. Uma amiga me disse 'Aris, se você tiver força, se arrasta para debaixo da mesa', e eu me arrastei", disse Aristênia.

Aristênia disse que ficou consciente após ser baleada porque amigas pediam que ela ficasse acordada. No entanto, após entrar na ambulância, a educadora não se lembra mais do que aconteceu.

Recuperação

Ainda internada no hospital, Aristênia disse que acredita ter sido atingida por 10 a 12 disparos.

"Eu não tive coragem até agora de perguntar quantos tiros levei. No pulso direito foram dois. Também levei um tiro na barriga, um nas costas, um no pé. Na clávicula ainda tá alojado. Acho que também levei um tiro de raspão. Graças a Deus, não atingiu um órgão vital", disse a professora.

A educadora disse que ainda não consegue andar.

"Uma parte da perna, a fíbula, ainda está fraturada por causa do tiro que levei no pé e causou um estrago grande. Não consigo andar, mexer os dedos, mexer o pé, porque a dor é muito grande", comentou.

Segundo a professora, um dos momentos mais marcantes da recuperação no hospital foi quando ela acordou na Unidade de Tratamento Intenso (UTI) e viu a filha, de 23 anos, e o esposo.

"Não sei quanto tempo fiquei na UTI, mas quando vi minha filha e meu marido, era uma alegria muito grande. Eu não podia falar, porque estava com um tubo na boca. Eu ouvia meu esposo falando ''vai ficar tudo bem''. Cada conquista, cada evolução, um momentinho que eu melhorava, era uma comemoração muito grande", disse a professora.

Aristênia também contou que, após mais de três semanas internada, fez amizade com a equipe médica. A professora elogiou a alimentação do hospital e agradeceu a dedicação no tratamento.

"Aqui no hospital, estou sendo muito bem tratada por uma equipe maravilhosa e agradeço a toda a equipe. Tudo isso faz a diferença no tratamento. Todos trabalham exaustivamente, mas sempre chegam com olhar carinhoso. Todo mundo reclama de comida de hospital, mas, para mim, é quase igual a minha", disse.

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Saudade do cachorro

Professora Aristênia, sobrevivente do ataque em Aracruz, no ES, está internada há quase um mês e disse ter saudade do cachorro.

Arquivo pessoal

Aristênia contou ainda que uma saudade que tem é do cachorro Kenai, um pastor alemão de estimação. Segundo a professora, no dia seguinte ao ataque, o cão começou a passar mal.

"Meu marido disse que, no dia do ataque, ele entrou na varanda e deitou perto da cadeira onde eu sento para fazer crochê. No dia seguinte, ele começou a passar mal, não comia nada, ficava triste. Foi a semana toda assim", disse a educadora.

Para amenizar a saudade que dela e do cão, Aristênia disse que arrumou um jeito de se comunicar com o animal enviando áudios para Kenai por meio do celular do marido, que, segundo ele, entende o que a tutora diz.

"Ele estava passando mal ainda e eu consegui mandar um áudio que o meu marido colocou para ele ouvir. Eu dizia 'pega bolinha, meu filho'. Meu esposo disse que Kenai entendeu, pegou a bolinha, e ficou mais feliz", comentou Aristênia.

Alta do hospital

Para a professora, uma das coisas que ela mais quer é ter alta do hospital.

"Eu sou a única que estou internada, e estou na expetativa de ter alta também. Minhas feridas estão todas sequinhas, graças a Deus", disse.

Volta à escola

Aristênia é professora há 20 anos na Escola Primo Bitti, completados em 2022. Apesar do amor que tem à profissão, a educadora disse que é muito cedo para pensar em retornar para a escola.

"Não consegui pensar nisso. No momento, eu não me vejo nem passando na frente da escola. Eu vi algumas fotos no grupo, de que a escola está sendo pintada, reformada. Eu sempre chamo os alunos de anjos, e tentei tratá-los da melhor maneira possível. Na escola, naqueles ambientes, é onde a gente dava carinho uns aos outros... Mas agora não consigo sentir isso", disse Aristênia.

Professores da Escola Primo Bitti

Bárbara Arrigoni/Arquivo pessoal

Natal de renascimento

Professora Aristênia, uma das sobreviventes do ataque em Aracruz

Aristênia Torres Mancini/Arquivo pessoal

Com a proximidade do natal, a professora fez uma reflexão sobre o episódio vivo por ela, pelos colegas e alunos.

Aristênia fez um apelo ao respeito e à tolerância.

"Que o nosso coração seja aberto pra amar o próximo e que não se tire a vida injustamente de ninguém, e nem da forma como foi tirada", falou.

Aos sobreviventes como ela, aos familiares das vítimas e à toda a comunidade escolar, a professora desejou que o natal ressinifique o processo de recuperação o qual todos vem passando.

"Que seja um natal de valorização da vida, de todas as vidas, qualquer que seja a vida, independente de de raça, de cor, de religião, de idade. Todas todas as vidas são importantes. Que seja um natal de replicação, de valorização a vida. E que se que o ser humano se torne humano", desejou.

O ataque

Selena Sagrillo, Maria da Penha Banhos, Cybelle Bezerra e Flavia Amos, vítimas do ataque a escolas em Aracruz

Reprodução/TV Gazeta

No dia 25 de novembro, o ataque a duas escolas em Aracruz, no Espírito Santo, deixou quatro mortos e 12 feridos.

O assassino, de 16 anos, estudou até junho no colégio estadual atacado, segundo o governador do estado, Renato Casagrande. A investigação apontou que o ataque foi planejado por dois anos e que o criminoso usou duas armas do pai, um policial militar.

Os disparos aconteceram por volta das 9h30 na Escola Estadual Primo Bitti e em uma escola particular que fica na mesma via, em Praia de Coqueiral, a 22 km do centro do município. Aracruz, onde o ataque aconteceu, fica a 85 km ao norte da capital.

Ataque a escolas em Aracruz deixa mortos e feridos

Arte/g1

Segundo a Secretaria de Segurança Pública, o assassino arrombou dois portões e invadiu, pelos fundos, a escola estadual. Com uma pistola, ele foi até a sala dos professores e atirou contra os educadores. Duas professoras morreram no local. Nenhum aluno foi baleado na primeira escola.

Na sequência, o atirador deixou a escola estadual em um carro e seguiu para a escola particular Centro Educacional Praia de Coqueiral. Na unidade, uma aluna foi morta. Após o segundo ataque, o assassino fugiu em um carro. Ele foi apreendido ainda na tarde após o ataque.

Um dia após o atentado, a Polícia Civil informou que o criminoso vai responder por ato infracional análogo a três homicídios e a 10 tentativas de homicídio qualificadas. Também no dia seguinte ao ataque, uma professora baleada na primeira escola, que estava internada, morreu.

No dia 4 de dezembro, o assassino foi sentenciado a cumprir até três anos de internação. O tempo é o limite máximo estabelecido como de medida socioeducativa para adolescentes pela lei.

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Fonte: G1

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